O uso do AVE na medição do valor das Relações Públicas: uma análise crítica

Em Portugal, o ROI (Return on Investment ou Retorno sobre investimento) é, como em muitos outros países, um instrumento comum das agências de comunicação para demostrar ao cliente, de forma palpável, o trabalho desenvolvido pelas empresas junto dos meios de comunicação. No entanto, este método tem sido alvo de polémica por se basear no cálculo do Advertising Value Equivalent (AVE).[1]

Segundo o especialista Jim Macnamara (2000), “os AVEs são calculados multiplicando os centímetros de coluna da cobertura da media impressa editorial e os segundos de publicidade transmitida pelas respetivas taxas de publicidade de media. Em alguns casos, os usuários deste método vão mais longe e aplicam ‘multiplicadores’ para as taxas de publicidade baseados em uma alegação de que as RP é mais credível do que publicidade”.

Há diversas empresas especializadas em oferecer esse serviço, como a portuguesa Cision, e muitas organizações dispostas a pagar pelos resultados. No entanto, medir as “polegadas de uma coluna” nos dias de hoje, certamente não é a métrica mais confiável para se precificar o valor das ações de RP. Afinal, o custo de compra do espaço ocupado por um determinado artigo ou uma reportagem de TV não é a mesma coisa que um anúncio publicitário.

Durante anos a indústria de comunicações tem debatido o uso de equivalência de valor publicitário, que persiste apesar de óbvias deficiências.  No Reino Unido, por exemplo, “a administração britânica recomendou que as avaliações de operações de Relações Públicas do governo deixem de considerar este método e o Central Office of Information, responsável por estas comunicações, considerou que este sistema não pode ser utilizado para medir o valor das relações públicas, porque está a medir um produto diferente: a publicidade”[2].

Embora muitos especialistas sejam a favor do fim do AVE, pode-se afirmar que a prática de monitorizar os meios de comunicação social irá continuar por muitos anos nas agências e empresas de comunicação organizacional. Há diversos motivos para isso: além de ser um bom indicador para apresentar em reports, o AVE é fácil de perceber e materializa em números o que foi produzido e divulgado pela equipe de RP durante um determinado período. Pode-se assim apoiar os objetivos de negócios e “provar” que as atividades de RP são estratégicas e rentáveis. Também nos permite ver o valor financeiro e medir a exposição de uma marca, pessoa ou evento num determinado período de tempo, podendo ainda avaliar o seu desempenho frente aos concorrentes, uma vez que é possível ter acesso aos materiais de media dos mesmos e realizar os cálculos do AVE. Portanto, o AVE se presta bem para comparações.

Mas será que só é possivel medir o sucesso das RP com o AVE? Só assim os profissionais poderão engajar os executivos de sua empresa e garantir orçamento para continuar a realizar suas atividades? Creio que a reposta seja “não”. No entanto, o grande problema do AVE, em minha perceção, é que o serviço tornou-se uma indústria. Há muito lobby  para mantê-lo em prática no mercado, visto que  é um negócio rentável às empresas especializadas.

Em oposição, podemos elencar diversas fragilidades no uso do AVE. O cálculo não permite fazer uma análise profunda e avaliar os conteúdos em termos de comportamento e atitude. Outra falácia da métrica é que por ser baseada nas tabelas de publicidade, todavia, nem sempre apresenta resultados reais. Por exemplo: se formos analisar as veiculações seguindo fielmente as tabelas, obviamente o espaço publicitário na televisão terá um valor muito mais alto do que a internet. Mas na prática, uma notícia publicada nos meios digitais tem um alcance muito maior do que na televisão. Afinal, estamos na era digital, e as pessoas passam mais tempo conectadas ao seu smartphone e tablet, ao invés de ficarem sentadas no sofá acompanhando o que acontece no mundo em um canal de TV. O online exige outra medição para as RP.

Outro problema muito prático com os cálculos do AVE é que não há publicidade equivalente a uma história “ruim” ou “desfavorável”. O profissional Bruce Jeffries-Fox, em artigo publicado no The Institute For Public Relations (IPR), questiona: “como essas notícias são tratadas como histórias? Será que alguém ignora histórias desfavoráveis e calcula AVEs apenas nos favoráveis? Subtraímos as histórias desfavoráveis das favoráveis e calculamos um AVE na rede? E as histórias neutras? Devem ser adicionados a histórias favoráveis?”[3]. Segundo ele, “não há padrão porque não há investigação para informar qual deve ser a abordagem apropriada”.

Desta forma, fica clara a fragilidade dos valores apresentados nos estudos de mercado, e o motivo pelo qual o cálculo do ROI com base no AVE é debatido há tantos anos. A prática pode ser manipulada e apresentar dados inconsistentes. A publicidade e o conteúdo editorial raramente são equivalentes. Acredito que este tipo de report mede o custo e não o valor gerado. Mensura menos ainda os outcomes das mensagens.

Contudo, ainda nã há outra solução universal para medição de valor das RP. Os clientes ainda querem receber os relatórios, visto que planilhas e números são considerados a melhor forma de mostrar resultados tangíveis. A incumbência para as próximas décadas é romper esse pensamento ultrapassado e colocar em práticas novas estruturas e métricas.

Como opção, pode-se complementar o AVE com análises qualitativas, análises de conteúdo e/ou inquéritos, bem como na perspectiva de vários stakeholders. Com o advento da tecnologia, é possível realizar medições usando ferramentas simples e de baixo custo, disponíveis no Google ou sites especilizados. É preciso compreender o equilíbrio entre pesquisa, planejamento e medição e, assim, tentar ir além da monitoração para medir resultados em termos de comportamento.

Ademais, nos últimos anos, os principais órgãos do setor – incluindo a CIPR, a International Association for Measurement and Evaluation of Communication (AMEC) e a Public Relations Consultants Association – deram grandes passos para dissuadir os profissionais de usarem a métrica AVE. Um exemplo prático é a adopção dos sete pontos-chave que constituem a Declaração dos Princípios de Barcelona, que surgiu na 2ª Cimeira Europeia sobre Métricas da Comunicação, onde representantes de 33 países acordaram o primeiro padrão global de métricas das relações públicas.

“O encontro serviu para pôr de vez de lado a utilização do Advertising Value Equivalent (AVE) enquanto forma de as agências de comunicação medirem o retorno do trabalho que desenvolvem para os seus clientes. Este princípio teve a concordância de 92 por cento dos participantes na conferência. O novo consenso vai no sentido de preferir a medição por resultados em vez da medição da cobertura de meios”[4]. Um dos pontos-chave propõe ‘medir o efeito nos resultados é preferido à medição dos resultados’.

O ROI é apenas um entre muitos instrumentos utilizados para avaliar o impacto do trabalho das RP. O AVE é claramente contraditório, mas a contínua utilização deste método revela a deficiência no campo da comunicação organizacional em apresentar novos métodos. Por fim, fica o desafio para os profissionais da área que desejam mitigar o uso do AVE: conseguir medir resultados com um sistema que integre todos os parâmetros para avaliação da eficácia da mensagem e das formas de avaliação do trabalho desenvolvido pelas Relações Públicas. É hora de olharmos além do valor publicitário.

[1] http://www.briefing.pt/comunicacao/5580-como-medir-o-impacto-das-relacoes-publicas.html
[2] http://www.briefing.pt/comunicacao/5580-como-medir-o-impacto-das-relacoes-publicas.html
[3] http://www.instituteforpr.org/wp-content/uploads/2003_AVE1.pdf
[4] http://www.meiosepublicidade.pt/2010/07/o-fim-do-ave/

Bibliografia

Anderson, Hugh. Public Relations (PR) Measurement. 2012, Forth Metrics. Disponível em: https://pt.slideshare.net/hugha/public-relations-pr-measurement, [Consult. 23 de abril de 2017].
Como medir o impacto das Relações Públicas? Janeiro de 2010, Fonte: Briefing. Disponível em: http://www.briefing.pt/comunicacao/5580-como-medir-o-impacto-das-relacoes-publicas.html#ixzz4fSi5mqhF, [Consult. 24 de abril de 2017].
Jeffries-Fox, Bruce. A Discussion of Advertising Value Equivalency (AVE). 2003, The Institute For Public Relations. Disponível em: http://www.instituteforpr.org/wp-content/uploads/2003_AVE1.pdf, [Consult. 24 de abril de 2017].
Macnamara, J. (2000). The ad value of PR. Asia Pacific Public Relations Journal, Vol 2, No 1, 99-103, Canberra University.
Marques, Rui Oliveira. O fim do AVE. Julho de 2010, Meios e Publicidade. Disponível em: http://www.meiosepublicidade.pt/2010/07/o-fim-do-ave/, [Consult. 24 de abril de 2017].
O eterno problema da medição. Novembro de 2012, Fonte: Media Pressure. Disponível em: https://mediapressure.wordpress.com/tag/medicao/, [Consult. 23 de abril de 2017].
Raposo, Ana Luísa Canelas Rasquilho.  Estratégia de comunicação como um processo de tomada de decisão: uma nova abordagem na compreensão da formulação estratégica em Relações Públicas [Em linha]. Lisboa: ISCTE-IUL, 2014. Tese de doutoramento. Disponível em: http://hdl.handle.net/10071/8785, [Consult. 23 de abril de 2017].
Wallace, Cathy. The AVE debate: Measuring the value of PR. Maio de 2009. Disponível em: http://www.prweek.com/article/903837/ave-debate-measuring-value-pr, [Consult. 23 de abril de 2017].

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